Sinead O’Connor e o Grammy

 

Para quem viveu a cultura pop dos anos 80, o nome da cantora irlandesa Sinead O’Connor significa alguma coisa. Sinônimo de uma música diferenciada e fora dos padrões, voz cristalina e de muito fôlego, para um trabalho e performances de palco que beiravam o punk (pelo menos, era como parecia para mim, ignorante de música em geral), mas que vejo hoje possuía uma tremenda qualidade e competência musicais. Podia não curtir seu estilo, mas apreciava sua atitude, cheia de lances polêmicos e altivos.

O que mais me marcou de Sinead, porém, não foram esses lances polêmicos, como o gesto de rasgar a foto do papa na televisão, como protesto contra a pedofilia e os abusos sexuais praticados dentro da igreja católica (provocando uma reação indignada do público religioso contra ela tão grande que praticamente fez um breque na sua carreira, a qual nunca mais recuperou) ou as idas e vindas, subidas e descidas, de uma vida cheia de detalhes dramáticos (alguns até trágicos). Certamente, seu visual chamava a atenção: uma garota franzina, realmente muito magra e baixinha, com a cabeça raspada careca, com uma voz potente e roupas rasgadas, mas meu cinismo desconfiava do quanto isso seria sincero e marca de uma personalidade forte ou somente propaganda e marketing.

O que eu lembro perfeitamente foi de uma apresentação em um desses eventos de premiações transmitidos pela televisão que os norte-americanos adoram, creio que era um Grammy, embora nenhuma certeza se ela estava concorrendo em alguma categoria. Para mim, acostumado a assistir o Oscar, mas nenhuma vez tinha visto outra cerimônia do estilo, estava achando tudo um porre inominável, quando vejo Sinead entrar no palco e pensei que aquilo poderia ser interessante.

Ela está sozinha (no máximo, um ou dois músicos a acompanham), sem nenhuma parafernália eletrônica ou superprodução que as demais bandas faziam questão de trazer, e o palco vazio fica, portanto, enorme, destacando ainda mais a magreza, a estatura e a careca da cantora. Quando canta, a música explode. Ela não alivia na canção, ela é pesada, gritada e cantada com vigor. Ela mexe os braços e as pernas, embora sem sair do lugar.

O contraste daquela música daquela cantora naquele espaço tão formal e antiquado foi fenomenal.

Da platéia (disso eu me lembro muito bem!) não voltava nenhum pio, nenhuma resposta, nenhuma palma ou gritos, era uma onda de gelo silencioso, enfatizado pelo fato da câmera em nenhum momento mostrar qualquer rosto do público, ou algum tipo (qualquer tipo) de reação, focava somente na cantora.

Ela acaba a apresentação, agradece as palmas (não houve vaias, nem entusiasmo nas palmas, mas pelo menos foram educados) e sai. Ninguém emitiu algum grande suspiro de alívio (ao menos, não em voz alta), mas era tão presente que era quase palpável.

Não acompanhei sua carreira (não curtia sua música, como disse, e além do que, logo mais ela seria jogada no ostracismo). Mas amei sua impavidez, sua força, sua coragem até, seu formidável tapa musical naquela cerimônia quadrada, previsível e estupidamente aborrecida, típica dos norte-americanos e que não mudou nada até hoje.

Neste momento, nesta sua apresentação em específico, eu amei essa mulher.

 

 

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5 Comentários em “Sinead O’Connor e o Grammy”

  1. Renato Martins Says:

    Sinead O’Connor – Mandinka (1989 Grammy’s)

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  2. Arnaldo Nunes Says:

    Eu vi uma apresentação, em 1989 ou 1990 não lembro, estava realmente ocupado no momento, mas lembro perfeitamente que parei o que estava fazendo e ouvi me senti muito bem vendo aquilo. Infelizmente não guardei o nome da música nem da garota magrinha e careca mas que brincava com a voz. Não sei se era grammy ou oscar e gostaria muito de saber qual música foi aquela. Passei anos querendo descobrir e ainda hoje não sei qual é.

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  3. José Says:

    Sinéad continua fazendo música – e de ótima qualidade. Seu novo álbum é incrível. Vale a pena conhecê-lo. Um abraço.

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